✸ vi no festival do rio 2025 ✸

virou uma tradição anual passar metade de outubro submetendo meu cérebro a derreter assistindo 1 a 3 filmes por dia durante as duas semanas, evitando assim grandes comemorações de aniversário e irritando as poucas pessoas que querem essas grandes comemorações.

há quase dois anos na newsletter propus essa categoria de “fiscalização letterboxd” com a intenção de falar sobre alguns filmes que eu assisto mas acabei não escrevendo nada….. até agora. é difícil pra mim entender o tom de review que eu quero deixar no letterboxd quando assisto algo, se é um registro pessoal, uma piadinha, um texto sério. ainda bem que aqui posso fazer de tudo um pouco!

a lista dos filmes que eu assisti esse ano no festival você encontra aqui. foram 15 no total então vou dividir esse post em duas partes!

  1. Queens of the Dead da Tina Romero

tina é filha de george romero, o querido que inventou o gênero apocalipse zumbi, então eu estava muito curiosa para assistir a perspectiva dela nesse tema. em dawn of the dead (78), romero pai coloca um apocalipse zumbi dentro de um shopping center. é muito poderosa a imagem que ele criou em que norte-americanos são atraídos pelo shopping center, se recusando a morrer porque o maior impulso vital deles é, de certa forma, comprar. penso com desconforto na semelhança de cenas com hordas de zumbis com vídeos de black friday lá.

“o que eles estão fazendo? por que estão vindo pra cá?”, pergunta a personagem fran, uma sobrevivente grávida, olhando a massa de zumbis andando no piso inferior do shopping.

“eles vem por algum tipo de instinto. uma memória, do que eles costumavam fazer. esse era um lugar importante na vida deles”, responde o namorado dela no filme.

a filha do romero pega essa alegoria de zumbis e usa dentro de uma história muito contemporânea e lgbtqia+. a maior parte do enredo se passa dentro de um bar meio fodido onde acontecem shows de drag, com as personagens desse universo (a dona do bar lésbica, as drags diversas, o cunhado hetero que presta serviços pequenos no bar, etc).

o filme tem momentos muito divertidos mas o roteiro tem alguns furos que me incomodaram. a direção também não consegue situar a gente bem dentro desse espaço tão limitado de um bar – do nada surge um porão, do nada um personagem consegue entrar no bar que estava cercado de zumbis. isso não chega a acabar com a experiência mas decepciona um pouco – talvez tenha a ver com a falta de recursos, talvez com a falta de experiência.

tina romero consegue entregar bons paralelos ao conceito que citei de consumo = zumbificação. aqui os zumbis se hipnotizam ao assistir a live de uma influencer no instagram e seguem o som da música dançante da festa, mas esses momentos entram como um recurso pra resolver determinados problemas da história ao invés de uma questão integral do filme – então é uma alegoria que, infelizmente pra mim, perde força.

  1. A Useful Ghost de Ratchapoom Boonbunchachoke

um dos melhores filmes que eu vi no festival! não sou adepta a polêmica dos spoilers porque acho que obras fundamentadas em surpresa e choque são meio inferiores mas não é o caso desse filme. só acho que quanto menos a gente souber sobre o filme mais interessante pode ser a experiência ao assistir ele, não porque ele utiliza de dispositivos pra provocar sustos. caso meu elogio ao filme não seja o suficiente pra você decidir que vai baixar esse tailandês de duas horas estou disposta a argumentar.

se já tá convencido a ver o filme algum dia, pode pular pro 3.
se quer mais informações, fique aqui.

a sinopse do filme fala algo meio assim: “depois que nat morre pelos efeitos da poluição, march é consumido pelo luto. mas a vida dele vira de cabeça pra baixo quando descobre que o espírito da sua esposa possuiu um aspirador. tão absurdo como pode parecer, a relação deles volta, forte como nunca. mas contra a vontade de todos. a família dele, ainda assombrada pela morte acidental de um trabalhador em uma de suas fábricas, rejeita o romance sobrenatural. para provar seu amor, nat oferece ajuda com o problema da fábrica, se provando um fantasma útil, mesmo que isso signifique se livrar de algumas almas”.

o lance desse filme é que ele é uma boneca russa. ele começa com uma outra história que não é essa da sinopse. entra na da sinopse. e lá pro meio do filme a gente entende que na verdade, o filme se trata de uma terceira história. tudo bem amarradinho, pitadas de humor, romance, política e história.

aquele tipo de filme que deve ser intrinsicamente tailandês pra eles, muito ligado a cultura e tradições de lá mas consegue falar perfeitamente com todos nós porque usa dos dispositivos imagéticos da Tailândia pra falar de coisas que são muito brasileiras ou globais ou da realidade histórica do mundo mesmo.

eu fiquei muito feliz de ter visto esse e queria escrever detalhadamente sobre ele mas eu preciso que vocês tenham pelo menos a chance de ver antes disso. quem sabe ano que vem eu volto nisso.

  1. Franz da Agnieszka Holland

esse aqui eu até já comentei por alto nos stories do insta. a agnieszka resolveu fazer um filme biográfico sobre um escritor com uma vida interior complexa mas que não teve muitos acontecimentos ou reviravoltas práticos na sua trajetória (nunca casou nem teve filhos, morreu novo, fez sucesso mesmo só depois da sua morte) então ela opta por não seguir uma ordem cronológica e fazer uma espécie de caleidoscópio de sonhos, memórias e acontecimentos.

pode ser interessante você ler meu texto anterior pra continuar nessa review.

ela coloca o kafka dos diários ali na interpretação do protagonista, sem que recorra a voz em off dele lendo o diário. temos uma cena da infância do escritor, que ele mencionou na carta ao pai, também sem o suporte do texto. no início do filme mostra o max brod botando fogo nos papéis do kafka e aí a cena começa a rodar ao contrário pra mostrar que ele não queimou. mas isso é bem no início do filme, sabe? por isso a cronologia confusa. eu amei o fanservice! amei a escolha dos atores e o que a diretora achou relevante pra compor essa visão de quem era o kafka – mas fico na dúvida como alguém que não tem esse conhecimento prévio interpretaria os elementos do filme.

  1. On Becoming a Guinea Fowl da Rungano Nyoni

é assim a história: a nossa protagonista shula tá voltando de uma festa, toda fantasiada de Missy Elliot no clipe The Rain, dirigindo seu carro quando vê um corpo caído na beira da estrada. é o corpo do tio dela. a partir daí, ela é dragada pros ritos funerários da família que duram dias e vão revelando pra gente aos poucos quem era esse tio de verdade.

Cinema é sobre fazer coisas se tornarem tangíveis, sabe? Tipo: como você lida com o seu passado? Por que você se depara com ele numa estrada escura? Trauma é estar fazendo suas coisas e do nada tem um corpo estirado do seu lado e você estava evitando olhar esse tempo todo mas agora que viu você não tem escolha e tem que lidar com isso”, a Rungano Nyoni diz nessa entrevista

a diretora zâmbiana usa desse dispositivo de uma morte inesperada, momentos de humor e estranheza pra construir uma trama muito delicada sobre trauma familiar e pacto de silêncio. é um filme que materialmente lida com questões pesadas mas não é pesado nunca, porque fica tateando os assuntos difíceis com uma naturalidade que é o ponto central do que ela tá querendo comunicar nessa história.

  1. Uma Baleia Pode Ser Dilacerada Como Uma Escola De Samba da Marina Meliande e Felipe Bragança

queria ter gostado mais desse. é uma ficção sobre uma escola de samba que vai fechar. ele se anuncia como um filme-experimento mas não tem nenhuma grande maluquice que eu não enxergue como formal. e acho que daí vem meu ranço porque fica parecendo que ele pretende se definir como algo mais inovador do que ele é ao invés de ser um filme meio teatral, com uma fotografia belíssima, um texto às vezes didático e bobo, um desenho de som absurdo e um tema muito interessante. com essa lista já deu pra entender que é um filme tecnicamente bom, sem dúvida, e se ele não me emocionou como pretendia provavelmente isso diz mais sobre mim do que sobre ele.

  1. Orfeo de Virgilio Villoresi

o tipo de experiência obrigatória em festival de cinema: filme meio maluco e nesse caso baseado num “quadrinho” maluco. dino buzzatti é um escritor italiano que flerta com o realismo mágico nas suas obras. em 69 ele publicou o Poema a Fumetti (ou poema em quadrinhos) adaptando o mito de orfeu numa obra que não era nem um romance nem um quadrinho exatamente mas tinha elementos de ambos. eu gosto muito do trabalho do buzzatti porque nós concordamos muito que pintar e escrever são dois aspectos de um mesmo projeto criativo (contar histórias). então as pinturas tem um elemento narrativo forte que é paralelo ao que tá escrito, às vezes adicionando novos sentidos, traindo o que tá escrito, etc.

quem já leu o texto que eu escrevi sobre o mito de orfeu (linkei no parágrafo anterior) já sabe que eu tenho um interesse particular nessa história mas quando pesquisei o diretor Virgilio Villoresi, aí fiquei certa de que era prioridade minha na lista do festival. designer, artista e cineasta o villoresi mistura stop-motion, dioramas, projeções e diferentes recursos de animação nos seus trabalhos (veja mais aqui e aqui). não foi diferente em orfeu, o filme começa lento e relativamente convencional mas vai ficando visualmente engenhoso a partir do momento que orfeu decide entrar numa porta atrás do espírito da amada. lindo de verdade.

  1. Little Trouble Girls de Urška Djukić

saí corrida de um bingo de bloco de carnaval na praia da glória pra ver esse aqui, que o letterboxd me vendeu como um call me by your name lésbico. não é exatamente isso mas dá pra entender a conexão. esse filme eslovênio conta a história de Lucia, que tem 16 anos, entrando no coral da escola católica e se tornando amiga de Ana-María. em um retiro no convento, a puberdade e a descoberta da sexualidade vão atrapalhar sua viagem e sua amizade.

adoro coming of age! fico o tempo todo pensando “meu deus como é horrível ser adolescente”. história delicada, complexa, com cenas muito bonitas e um bom uso de canto gregoriano.

os outros 8 filmes que assisti no festival deixo pro próximo post!

2 respostas para “✸ vi no festival do rio 2025 ✸”.

  1. Avatar de Maíra Mello

    Que saudade de maratonar filmes no Festival do Rio ❤️ Adorei ler sobre os filmes que você viu. Esperando a segunda parte agora.

    1. Avatar de joanna maciel

      oiiii maíra!!! ai amei descobrir por aqui que vc tem um blog tb e ver as fotos!!! vou agilizar a parte 2 antes que eu esqueça de tudo

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