14. ano passado falei demais e fiquei rouca até agora

esse texto é pra Lari Arantes que na Feira Delícia de março aqui no Rio me questionou porque eu tinha parado de escrever na newsletter pra imediatamente depois das minhas explicações cobrar de maneira afetuosa que eu escrevesse sim porque ela sentia falta e gostava de ler. obrigada pelo empurrãozinho!

primeira coisa que fiz antes de digitar qualquer coisa aqui foi abrir os rascunhos de todos os textos que não terminei pra enviar. vou destacar alguns. o primeiro é do projeto de listagem semanal 7 a cada 7:

parei no 8o item pq definitivamente NÃO DÁ pra gostar de tanta coisa assim

abri e fiquei triste porque vocês perderam foto de transmissão por webcam da aurora boreal nos alpes suíços, tradução minha de um trecho de conto do scott fitzgerald, indicação de hacks (a série) e pele de asno (o filme), uns rabiscos do show da madonna, etc.

“Sim,” ele sussurrou nos lábios dela. “Temos todo tempo do mundo…”

Todo tempo do mundo — a vida dele e a dela. Mas por um instante enquanto ele a beijava, ele soube que ainda que procurasse por toda eternidade nunca conseguiria recapturar aquelas horas perdidas de abril. Ele poderia apertá-la perto agora até que seus músculos se entrelaçassem nos braços — ela era algo desejável e raro por quem ele lutou por e a fez sua — mas nunca mais seria um suspiro intangível na poeira, ou na brisa da noite…

Bom, deixe estar, ele pensou; Abril acabou, abril acabou. Existem todos os tipos de amor no mundo, mas nunca o mesmo amor duas vezes.

— daqui

pensar que abril nem começou ainda.

aqui cometi esse título:

uma carta de amor e ódio aos quadrinistas

os primeiros parágrafos sou eu agradecendo e pedindo desculpas por não responder as pessoas que me mandaram mensagem sobre o quadrinho Carta ao Pai (de cabeça já penso rápido em 

Luísa Lacombe e Paulo Moreira, completamente envergonhada) quando saí da sequência de feiras porque estava sobrecarregada em muitos níveis mas também tem isso aqui:

Tudo que eu queria dizer sobre o quadrinho já está ali, no quadrinho.

Antes de ser impresso e lido por outros, ele foi por vezes O Maior Problema da Minha Vida, ou A Representação Física de Toda a Minha Incapacidade Emocional, ou ainda O Martírio que Eu Precisava Cumprir Sozinha Pra Provar Algo pra Alguém que Sequer Lembra que Eu Existo.

Tudo que eu queria agora é pensar sobre o próximo quadrinho.

depois eu engato no assunto principal mesmo, que é falar sobre as tretas mensais recorrentes entre quadrinistas…. dá pra imaginar porque eu não terminei esse.

tem o famoso que continuei tentando finalizar por mais um ano:

na primeira parte começo falando de kafka, depois vou pro caio fernando abreu, susan sontag e, inevitavelmente, volto pro kafka:

Se você pega as correspondências para ler em ordem cronológica, percebe logo o “Prezada senhora Milena” virando “Querida Milena”. Quando já há intimidade o suficiente, Kafka se abre em relação a sua infância e família. Ele se revela por vezes bem humorado e charmoso, muito diferente do que imaginaríamos lendo apenas as obras de ficção que escreveu.

enquanto a primeira parte é sobre pessoas artistas que eu gosto da intimidade e quero considerar isso nas obras deles, a segunda parte é sobre pessoas artistas problemáticos, cancelados, que a gente gostaria de não saber da vida.

essa parte virou uma loucura pois cada vez que eu retomo a escrita algo acontece (alice munro, neil gaiman). aí repenso tudo que já escrevi. a minha conclusão nunca mudou de verdade mas eu ainda não consegui escrever o caminho todo até lá porque entram novos e difíceis exemplos o tempo inteiro.

o último que vou mencionar é um texto que eu queria puxar de uma entrevista da diretora francesa agnes varda, defendendo de que na arte é quase imprescindível fazer as coisas sem saber direito o que tá fazendo mesmo:

Quando comecei meu primeiro filme, haviam três mulheres diretoras na França. Os filmes delas eram ok, mas eu era diferente. É como quando você começa a saltar e você coloca a barra muito alta — você precisa saltar muito alto. Eu pensei, eu tenho que usar o cinema como uma linguagem.

Quando eu vi o que a pintura tinha feito nos últimos trinta anos, o que a literatura tinha feito — pessoas como Joyce e Virginia Woolf, Faulkner e Hemingway — na França temos Nathalie Sarraute — e a pintura se tornou tão fortemente contemporânea enquanto o cinema só estava seguindo o caminho do teatro. Teatro! Quero dizer, psicologia e drama e diálogo e fazer sentido! Naquele tempo, quando comecei, nos anos 50, o cinema era muito clássico em suas tentativas e eu pensei, eu tenho que fazer alguma coisa que se relacione com o meu tempo, e no meu tempo, nós fazemos as coisas de um jeito diferente.

— traduzi daqui, provavelmente a minha entrevista favorita dela

parei de escrever porque depois das feiras tinha muita coisa pra elaborar sobre mim, sobre o que eu queria fazer da minha vida, sobre as relações que eu queria ter com as pessoas, com a minha arte e com o meu trabalho. era um processo que eu gostaria de ter compartilhado numa esfera mais íntima do que na newsletter, só que essa esfera não é online e ela sequer existe (ainda). por não existir, demorou.

foto da poc con com a maçã que meu amigo o tipógrafo dan schunck generosamente me deu e a ilustração que eu fiz pouco tempo depois

além disso, em dezembro fiquei sabendo que o substack é uma rede cheia de nazistaem janeiro desse ano [pós trump, galera!] o CEO defendeu que não vai banir ninguém porque defende a liberdade de expressão. juntou isso com a experiência tenebrosa de testemunhar o que aconteceu no X/Twitter com o maluquinho do foguete no comando e fiquei com preguiça.

eu fiquei com preguiça de ter esse dilema moral grudado na cabeça o tempo todo, fiquei com preguiça de todo canto da internet virar bar de nazista, fiquei com preguiça de lotar a caixa de entrada alheia com qualquer besteira que sai da minha cabeça mas também fiquei com preguiça de me submeter ao crivo do que é relevante ou não pra estar na caixa de e-mail de alguém.

enquanto eu pesquisava alternativas e considerava até um retorno aos blogs, todo mundo resolveu fazer newsletter — porque o instagram não entrega, porque as pessoas querem a autonomia de falar sem o suckerberg dizendo o que pode ser visto ou não. aí pesou mais pra mim de ambos os lados: óbvio que eu quero ser lida. sim, eu quero estar onde vocês possam me ler. mas agora que vocês assinam eu e mais 10 newsletters, vocês realmente estão lendo e-mail? mandem um sinal se chegaram até aqui: “sim joanna estou lendo esse e-mail pode mandar mais outro e-mail em breve estou apagando alguns pra ter espaço obrigado”

o instagram é um exemplo perfeito de como a minha [se quiser ler “nossa”, fica a vontade] relação com os outros se tornou muito passiva. me acostumei a não perguntar como meus amigos estão porque vejo os stories; mas aí parei de ver os stories e ainda não pergunto; tudo que eles querem que eu saiba eles vão me informar, eu penso, enquanto no instagram é pra uma platéia virtual; mas se não falaram comigo diretamente não deve ser da minha conta; se eles vêem os meus stories eu ainda não acho que façam ideia de como eu tô; mas também não tô procurando informar nada a ninguém. uma passividade crônica com a muleta de Ah Mas É Que Aconteceram Situações Na Minha Vida Nos Últimos Dois Anos.

a extrapolação aqui pro nosso contexto é: se o seu artista favorito não enviar um e-mail pra você, você ainda vai lembrar que ele existe pra ir atrás do que ele tá fazendo, entrando no site dele, jogando no google, etc?

longe de mim dizer que a artista favorita de alguém sou eu e talvez por isso que eu precise sim estar nos mesmos cantos onde todo mundo está, no instagram falando que eu vou fazer a poc con desse ano, no bluesky falando besteira, aqui dizendo que tô viva e continuo escrevendo como quem descreve a água no meio do afogamento.

“todo artista tem que ir aonde o povo está” cantou o milton nascimento, exaltando os músicos que tocavam em bailes ou bares a troca de pão sem saber que hoje isso é estar em espaços virtuais administrados pelas piores pessoas do mundo. cantar baixinho em bar de nazista em troca de aplauso ou pedra na cabeça.

correndo o risco de soar karl marx demais pra alguns, muito mark fisher pra outros, mas também falando obviedades: a internet não é um espaço neutro e as plataformas americanas são um espaço de consolidação e de colonização da cultura e da política de lá pra todo resto do mundo.

a alternativa de construir um bar novo e sem nazista tijolo por tijolo não é viável com apenas duas mãos (ou seja, uma plataforma), o que sobra é ter umas mesinhas e um carrinho de bar em casa, chamar vocês pra tomar um drink lá (um blog). mas aí vocês aparecem? tem que ligar pra convidar ou sabendo o endereço vocês vão lá?

feitas as provocações e antes que qualquer pessoa se sinta constrangida por estar publicando no substack, quero dizer que eu mesma não sairei daqui [pelo menos não por agora ou de vez] e caso faça um blog o que eu tenho pensado é simplesmente replicar os posts aqui ou mandar um compilado de links mensais ou algo nesse meio do caminho.

de novo, estamos todos no mesmo barco furado eu continuo descrevendo a água que tá entrando. até a próxima!